Blog Pro Wrestling Portugal: Contra-Corrente: O Regresso à Lagoa Azul



Contra-Corrente: O Regresso à Lagoa Azul

As sequelas costumam deixar sempre um sabor amargo. Desvanece-se o factor surpresa, e já não tem grande interesse repisar o assunto batido. Porém, a resposta que o meu colega de Blog “Jay Lethal” deu ao último texto que coloquei neste espaço motiva-me uma nova edição dedicada ao mesmo tema, que será a última. Tentarei não me repetir muito (se bem que algum nível de sobreposição é essencial), para não tornar monótono um local que pretendo tornar exactamente no contrário.

As falhas de comunicação existem em todo o lado, e o seu tamanho é tão maior quanto maior for o número de interlocutores envolvidos na conversa. Existindo uma mensagem a circular entre um emissor e um receptor, se essa mensagem não passa, a responsabilidade é dos dois: do que não entende, e do que não se consegue explicar. É um mal de que padecem muitos professores e alunos por esse país fora em todos os níveis de ensino. Todos já tiveram um professor a quem pedem para explicar melhor alguma matéria, e ele mais não faz do que repetir o mesmo que já havia dito. E eu, aqui, não vou simplesmente reafirmar mais do mesmo.

Esta última analogia não é totalmente correcta. Isto porque não quero ser pretensioso e colocar-me na figura de professor. Mas quero mostrar que já passei de aluno há muito tempo (se bem que nunca deixemos de aprender durante a vida). Vejo Wrestling há mais de 15 anos, assisti à maioria das grandes mudanças, e por isso acho algo confuso que seja acusado de ignorância quando calmamente tento avançar tantos argumentos e exemplos, e mostrar que fiz o meu trabalho de casa. Se me perdoam a piada, o meu texto anterior começou por ser “estereotipado e banal”, depois deixou de ser banal, depois já só dava uma visão estereotipada das indys; a evoluir desta forma, por este caminho, mais três ou quatro posts e chego a Nobel da literatura...

Assim, mais uma vez, quero começar por tentar desvendar simplificadamente aquele que é o meu ponto essencial: existe um tipo de federações, as indys, que por um fenómeno curioso apela a um determinado tipo de público que pulula pela Internet, mas que não tem interesse nenhum para o fã médio de Wrestling. Existem várias explicações para isto. É certo que não têm a divulgação da WWE, mas a generalização da Internet devia fazê-las chegar ao público em geral e não apenas ao público especializado, e às pouca dezenas de pessoas que assistem aos espectáculos ao vivo. A verdadeira explicação não é por certo a divulgação.

Por vezes, como agora, sinto uma espécie de snobismo velado, que não se confessa mas anda no ar e é demasiado espesso para não se cheirar. É o snobismo de se dizer que “quem vê a WWE são aqueles tipos ignorantes que não entendem nada disto, e só querem um show fácil e aborrecido”. “Nas indys é que está a acção”. E por isso dei-me ao trabalho de tentar explicar que esta opinião não é nada óbvia e muito menos clara (convém esclarecer, por uma questão de honestidade intelectual, que apesar das aspas nunca escutei nada assim explicitamente; mas não sejamos hipócritas: na atitude do “se deres uma hipótese, se te informares vês que até é bom” está essa arrogância da certeza absoluta). Na minha opinião, sustentada pelas razões que adiantei, as indys são até o contrário do que advogam ser: são um local aborrecido onde nada acontece que perdure na memória, mas do qual se tem uma imagem simpática e idealizada. Ou seja, uma Lagoa Azul.

Diz um provérbio chinês que os homens tropeçam nas pedras pequenas e não nas grandes. Por isso, em segundo lugar quero deixar claro que não sou um particularista, um especialista, alguém que se perde nos pormenores deixando de ter uma visão de conjunto. As generalizações são perigosas, mas se vistas e entendidas com os devidos cuidados, as devidas ressalvas e excepções, têm um papel único no nosso entendimento do Mundo. Portanto, não vou responder caso a caso a todas as particularidades, os combates supostamente interessantes ou as tiradas orgásmicas que as indys proporcionam a quem as aprecia. Isso seria entrar num debate estéril, difuso e incoerente de exemplo e contra-exemplo. Os exemplos são úteis como ilustrações de regras gerais, mas não se substituem ao papel sistematizador que uma teoria genérica desempenha. Por cada bom combate nas indys aponto dez sem interesse. Por cada bom combate na WWE, apontam-me dez sem interesse também. Aquilo que para uns tem piada, para outros não tem piada nenhuma. É por isso que esse debate é inútil. Não gosto de arrastar pedras até ao cima da montanha, para que de novo elas rolem, como Sísifo.

Posto isto, passo a tentar expressar de forma diferente a mesma opinião que já aqui tinha ficado. Penso que as federações ditas independentes falham naquilo que apontam como as suas armas fortes. Uma dessas armas é a legitimidade. E este termo tem de ser bem entendido. Não é legitimidade no sentido de “ah, os nossos shows não têm guião, isto é mesmo a sério”. É a legitimidade tipo Kurt Angle, de “os nossos são simplesmente melhores”. Melhores atleticamente, melhores criativamente. E isso parece-me simplesmente falso, por duas razões. A primeira é que, por um processo de semi-selecção natural, os melhores nas indys acabam por ser recrutados pelas principais federações, quando mostram verdadeiramente sê-lo. Em segundo lugar porque a existência de guionistas nos shows da WWE que controlam as ideias dos lutadores implica que não acontecem momentos parvos ou desinteressantes que por vezes se criam no momento. Mas perguntem a qualquer lutador ex-WWE, e todos dirão, excepto em certos casos ressentidos, que os guionistas aproveitam as suas ideias.

É certo que na WWE nada pode correr mal, e portanto não se arrisca tanto em termos de movimentos, histórias, personagens, etc. Mas isso não é necessariamente mau. Como diz Lance Storm, ser-se booker de um espectáculo de Wrestling é muito simples: pega-se num tipo bom, pega-se num tipo mau, dá-se ao público uma razão para que eles não se suportem e para que queiram ver o bom bater no mau num pay-per-view, e ponto final. Este é o modelo clássico, que trouxe o Wrestling até onde ele está hoje. Mas, diriam os amantes do independente, “será que não adianta tentar inovar, que as indys não são afinal uma lufada de ar fresco neste modelo repetitivo”?

E a minha resposta é que não. A minha analogia dos ratos e das bolachas, também ela totalmente incompreendida, dizia isso mesmo. É um instinto normal, evolutivo, para todos os mamíferos, procurar sempre algo melhor mesmo perante uma recompensa certa. Só que nós, humanos, temos uma capacidade que mais nenhum tem, que é a capacidade de reflectir, de parar para pensar, de colocarmos a nossa capacidade de análise ao serviço dos nossos interesses. E esse atributo pode mostrar-nos que há modelos e sítios onde não adianta procurar algo melhor, e que mais vale ficarmos com a bolacha que já sabemos ser boa.

No Wrestling, e na minha opinião, repito, sustentada em argumentos, exemplos e factos, cujo julgamento fica à consideração do leitor, esse sítio inóspito são as indys. A novidade que trazem, como tenho tentado explicar, não é o futuro da indústria, porque não fornece um modelo consistente alternativo ao modelo clássico tipo WWE. Aliás, nem sequer concordo que a WWE esteja estagnada. Se alguém tem mudado ao longo do tempo, mesmo tendo estado sempre na vanguarda, tem sido a WWE. A empresa não está a viver os melhores tempos da sua história, mas ainda consegue surpreender nas suas criações, nos combates que proporciona, num simples “SAVE_US222”.

Defendo que o circo que rodeia o Wrestling é tão importante quanto a acção em si, a “violência”, se quisemos usar esse termo batido. Esse circo são as personagens, as histórias, a envolvência. Oponho-me com toda a veemência a à imagem de que literatura é nos livros, porque odeio compartimentos estanques, artificiais. Há lugar para grandes narrativas no Wrestling. “Quem diz que tenho razão?” Ninguém. Mas se algum honestamente é capaz de defender que se consegue tornar uma luta falsa numa luta interessante sem conhecermos a personalidade dos indivíduos no ringue e porque se estão a espancar, acho que é difícil dialogar com essa pessoa. Essa ideia contraria radicalmente todos os factos da história deste desporto até hoje. E eu prefiro a certeza das evidências ao relativismo da moda das indys. “Mas as indys não têm também personagens profundas, e histórias interessantes?!” Parece-me óbvio que não, até pela falta de aderência do público, mas melhor do que discutir isso, parece-me, é fazer a seguinte experiência de pensamento. Coloque-se um espectador ocasional de Wrestling a ver um combate entre dois desconhecidos da WWE, ou mesmo da OVW, e dois desconhecidos de uma indy qualquer. Faça-se aí um “Pepsi Challange”, em que não se diz a quem visiona os combates qual é qual. No final, pergunte-se a essa pessoa (1) de qual gostou mais, e (mais importante) que (2) lhe descreva o que aconteceu no ringue. Penso que a minha previsão de resultados desta proposta de experiência é óbvia.

É esse tipo de justificações que faz com que, tal como tinha afirmado anteriormente, as indys vendam a “legitimidade” que depois rejeitam. Uma tese importante, que aqui enuncio de forma obviamente caricatural, é que “nós temos chain wrestling, e spot fests espectaculares, não somos meninas como a WWE”. O problema é que até nos estilos de luta de que as indys abusam inconsequentemente, ainda assim a WWE faz melhor. Chain Wreslting é aquilo que um certo William Regal faz, e Spot Fests são todos os combates da dupla London/Kendrick. Mas fazem-no integrado em narrativas, em contextos onde isso faz sentido, com comentadores que o relacionam com um todo coerente, no universo da federação e do desporto. “Isso é ignorância, não o fazem tão bem nem sequer de forma parecida” - parece que ouço os contestatários digitais. Mais uma vez, tudo depende do modelo que queremos ver no Wrestling. Eu não sou defensor da WWE em si, mas sim do seu modelo de Wrestling. Sou defensor que o Wrestling é, acima de tudo, entretenimento misturado com desporto. Se lhe retirarmos alguma das duas componentes, ele torna-se num pobre órfão.

Ser diferente é, na minha opinião, um bem em si mesmo. Mas procurar sê-lo à força, para mim, pode não o ser. Penso que aqui chegado está na hora de procurar conciliar posições. É natural para todos nós tentarmos encontrar num tipo de espectáculo o nosso canto, especial e que nos define, por não ser um fenómeno global onde não nos sentimos diferentes nem identificados. O mesmo se vê na música. Quando pouca gente conhece uma banda, é “a nossa banda”. Quando muita gente a conhece e gosta, é “comercial”, é “vendida”. Sentimo-nos traídos, tal como se de um(a) namorado(a) se tratasse. A nossa banda já não é só nossa, agora é de todos. E o Wrestling é igual. As indys são a tal banda pequena da qual temos tendência a gostar porque ainda há espaço para nos identificarmos com ela. Eu compreendo, aceito, e até acho salutar que isso aconteça. E acho esta uma explicação perfeitamente plausível, não banal, não estereotipada, nem sequer produto de ignorância.

Ao meu colega Ricardo, deixo um abraço, e mesmo não gostando do estilo, espero vê-lo por aqui a colocar muita informação no nosso Blog sobre federações independentes. Não estou com isto a ser hipócrita, pois acredito verdadeiramente que tudo tem o seu espaço, e há pessoas que crêem verdadeira e genuinamente que as indys são melhores que a WWE. Acredito na diversidade, e quero vê-la posta em prática. Mas também acredito na discussão de ideias, pois só assim poderemos verdadeiramente ficar esclarecidos e mais conhecedores. Conhecedores dos outros, e também de nós mesmos.
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2 Comentários:

Em sábado, 27 outubro, 2007, Blogger Lucas Neves disse...

obrigado pela resposta senhor.

evidentemente, podemos gostar de coisas diferentes, mas no teu discurso vejo pontos de concordância com os motivos pelos quais gosto de ver o wrestling nas indys.

volto a achar que se calhar ficarias surpreendido se experimentasses certas coisas bem aconselhado

 
Em sábado, 27 outubro, 2007, Blogger Ricardo disse...

Conforme disse no meu (demasiado) longo texto, eu conheço as indys. Siplesmente não gosto, e já por duas vezes tentei explicar porquê. Se identificas o meu discurso com razões pelas quais vês indys, isso não me parece nada estranho. Bem pelo contrário, porque no fundo nós gostamos mesmo é de Wrestling, e ponto final.

Mas penso que não deves assumir que se as pessoas não gostam do que tu gostas é porque não conhecem, ou pelo menos nunca se informaram bem. Por muito que aches que algumas coisas de que gostas são tão boas que se todos as conhecessem iriam gostar também, a vida não funciona assim.

 

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