Blog Pro Wrestling Portugal: Contra-corrente: Sexo, Drogas e Rock N’Roll



Contra-corrente: Sexo, Drogas e Rock N’Roll

Todo o ser humano é desconcertantemente multifacetado. Pelo meio da nossa busca incessante e permanente pela felicidade, passamos por períodos, que por vezes se eternizam, em que parecemos fortemente apostados em nos auto-destruirmos. Esse (aparente) paradoxo, que nem a psicologia conseguiu ainda explicar, parece ser amplificado pela relativização ética e moral pós-moderna, que nos deixou como que nus na caverna de Plutão, sós e desprotegidos, sem referências nem absolutos.

Uma das demonstrações mais que claras disto mesmo é o facto do comportamento que, em anos passados, apenas se observavam em alguns escritores, alguns libertinos diletantes, ou estralas de Rock, se ter democratizado e alcançado todos os estratos sociais. Mais ainda: esses comportamentos agudizaram-se ao ponto do ridículo. O vinho, bebida espirituosa durante séculos, foi destronado por bebidas brancas. As drogas, antigos veículos de elite para o imaginário, transformaram-se num banal hábito adolescente. Por todo o lado, estar fora da norma passou a ser a norma, e isto tem uma razão. Para todos nós no nosso quotidiano, é preciso estar-se na crista da onda, sempre na vanguarda dos comportamentos e das últimas tendências. A pressão social para se ser “original” vem desde a infância. Enquanto crianças, temos de ter todos os brinquedos que os outros meninos têm, e mesmo isso não chega, pois precisamos de ter um brinquedo adicional: aquele que ninguém tem. Quando crescemos, precisamos de ser tudo o que os outros são, e mais uma coisa qualquer que, mesmo sendo subtil, nos torna únicos. A grande perversão deste processo é que a originalidade dos poetas, dos românticos, daqueles que ao longo da História se foram distinguindo, deixou de ser uma característica própria, inata e inimitável do indivíduo. Hoje, a originalidade procura-se. E força-se. E, muitas vezes, ao esforçarmo-nos para sermos um pouco mais que os outros, mas tendo tudo o que eles têm, acabamos por nos esquecer de quem verdadeiramente somos. Acabamos por nos auto-destruirmos.

Se tal é verdade para as relações sociais, mais o é para as relações profissionais. No Mundo de hoje, deixaram de existir contratos longos, empregos para toda a vida. A lealdade já há muito saiu de cena, e a identificação trabalhador-empresa já não é mais que uma miragem do passado. Hoje, no Mundo competitivo, é essencial saber-se sempre tudo o que os outros sabem, e mais alguma coisa. É essencial nunca parar, nunca descansar, caso contrário alguém estará logo atrás de nós para ocupar a nossa posição. Se alguém faz algo radicalmente novo na nossa área de conhecimento, temos de imitá-lo, e a seguir superá-lo.

O Mundo do entretenimento, e o Westling em particular, viram estes efeitos, que se acentuaram durante dezenas de anos, a acontecer em muito pouco tempo. Nos anos 80, trabalhar-se para Vince McMahon Jr. era ser-se literalmente uma estrela de Rock, com todos os excessos que isso implicava. Mas o trabalho era certo e seguro, caso se preenchessem os cânones mentais do patrão da então WWF. É brutal a diferença física entre antigos wrestlers da WWF e da NWA, por exemplo. E as Monday Night Wars apenas precipitaram e fizeram descambar aquilo que era inevitável. Mesmo sendo o padrão de wrestler, grande, musculado, dominador, a necessidade constante de ter audiências e vender Pay Per Views fizeram com que já nem isso bastasse para alguém ter o seu emprego seguro. O fim deste período da história do Wrestling deixou muitas marcas, e muito ainda não mudou, nomeadamente a necessidade de oferecer sempre mais ao público, nunca deixando cair o estereótipo do lutador americano.

Mas então algo aconteceu. A geração que havia sido vedeta nos anos 80, e mesmo 90, chegava e passava dos 40 anos de idade. Uns após outros, foram-se conhecendo casos de morte por doenças coronárias, vasculares, ou com causas desconhecidos. A ligação com os excessos cometidos no passado nunca foi tão clara como quando o crismático Eddie Guerrero faleceu. Eddie admitiu ter um longo historial de abuso de álcool e drogas, e acima de tudo consumo de analgésicos. Para conseguirem aguentar o ritmo frenético e a pressão de necessitarem constantemente que superar a concorrência e lutar pelo seu lugar, muitos colegas de profissão de Eddie consomem analgésicos numa base diária. A história de Eddie enterneceu quase todos os fãs da modalidade. Afinal, parecia que era por nós que Eddie tinha morrido, ao esforçar-se para nos dar um espectáculo cada vez melhor. A comunidade do Wrestling, porém, rapidamente se voltou contra Vince McMahon, pelo que exige dos seus atletas, e por manter um padrão insustentável daquilo que o corpo de um lutador deve ser. É melhor culpar outra pessoa do que viver a culpa dentro de nós.
Mais recentemente, o também carismático Chris Benoit alegadamente assassinou a sua esposa e filho de 7 anos, antes de cometer suicídio. Na sua casa, foi encontrada uma remessa substancial de esteróides anabolizantes, e de novo a culpa foi atribuída ao mesmo de sempre: Vince McMahon. Vários antigos lutadores, rejeitados pelo negócio e porventura cansados de verem amigo após amigo morrer, vieram criticar a WWE pelos seus padrões, pelo que é a vida na estrada, sem tempo para a família, e pela violência de um horário de trabalho louco. Disse-se também que a WWE não tem uma política de controlo de consumo de drogas eficaz. Disse-se ainda que Vince não se interessa pelos seus lutadores, a partir do momento em que não lhe dão lucro. Estava encontrada uma explicação consensual. A culpa é do sistema, entendendo-se Vince a WWE como sistema.
Lentamente, alguns nomes vieram ao terreno combater esta tese, e defender a empresa. Alguns lutadores como Chris Jericho, Lance Storm, e até o próprio Bret Hart, vieram chamar a atenção para o facto de não se ser impossível triunfar na WWE sendo relativamente pequeno, como eles mesmos são exemplo. Claro que isto caiu totalmente por terra quando se soube que até Rey Mysterio era cliente do mesmo médico de Benoit, e mais recentemente ao ser divulgada uma lista com 20 nomes ligados à WWE que eram clientes de uma farmácia online, Signature Pharmacy, onde haviam adquirido esteróides, e dessa lista até Funaki fazia parte. O mais perturbador é que um nome envolvido na referido lista era o de Eddie Guerrero. Alegadamente, Eddie teria adquirido esteróides pouco antes da data da sua morte. É assustador pensar, caso seja verdade e se tivesse sabido à data, se de facto Eddie teria sido alvo da mesma simpatia por parte dos fãs.

De tudo isto, é seguro acreditar que os padrões quanto ao que um wrestler masculino deve ser, assim como os horários e as viagens constantes, são fortes factores que influenciam as decisões pessoais dos profissionais da WWE em usarem substâncias ilícitas (e quem sabe se da TNA e das Indys, porque não vamos ser hipócritas e achar que o problema morre em Stamford, Connecticut). Não me parece que a pressão desapareça só por existirem lutadores de tamanho menor que ganham títulos, ou por alguns conseguirem lidar bem com ela. As regras têm de se fazer para o trabalhador médio, não para a o excepcional, e hoje em dia só alguém excepcional consegue sobreviver no negócio do Wrestling. Mas também não me parece que seja justo diabolizar Vince McMahon. Quando Benoit se sentiu como quer que se tenha sentido, e ainda que de facto tenha sido pressionado pela sua carreira, ele tinha a hipótese de desistir. Vince não aponta uma arma à cabeça de ninguém para entrar no ringue, e hoje os lutadores estão bem informados daquilo em que se estão a envolver, e das possíveis consequências. Nem sequer é inteiramente verdadeiro o argumento que um lutador se sente coagido a manter o ritmo da WWE devido ao dinheiro e prestígio. Há muitas outras carreiras, ligadas quer ao desporto, quer ao cinema, para as quais um lutador está muito bem preparado, e nas quais não tem os mesmos inconvenientes. Há também outras federações com esquemas laborais bem mais flexíveis. Podem não ser o topo de carreira, no que toca a colocar a sua vida em risco, deverá esse ser um critério tão importante?

Acredito que a razão que leva alguém a auto-destruir-se para triunfar, sendo isso uma contradição, é ainda desconhecido. No entanto, a contemporânea falta de sonhos e de absolutos éticos pode ser parte da resposta. Se nada tem verdadeiro valor em relação a coisa nenhuma, então em vez de se perseguir um determinado objectivo, tenta-se meramente medir os nossos sucessos em função do que os outros possuem. Se alguém inova, fazendo algo claramente nocivo, por certo todos vão imitar. O consumo socialmente aceite de álcool e drogas é um exemplo “civil” disto mesmo. No Wrestling, é isto que se passa com o consumo de esteróides. Se alguém o faz, imediatamente a pressão social instala-se para que todos o façam. Afinal, quem não o fizer está em desvantagem em relação aos outros, está um passo mais longe da nova norma, do novo corpo perfeito.

Mas em algum momento das nossas vidas, todos precisamos de fazer uma escolha. Ou mantemos os hábitos imaturos que acabam por nos magoar, o que equivale a perder a vida, ou crescemos para alguém livre, que toma verdadeiramente conta das rédeas do seu destino. Essa é a escolha entre optar-se pela falácia do carpe diem, pelo modelo infantil de “sexo, drogas e rock n’ roll”, e tudo o que vem por acréscimo, ou decidir em cada momento aquilo que nos garante uma maior felicidade no decurso das nossas vidas. Infelizmente, a maior parte dos Wrestlers perdem-se na primeira vida. São ajudados a isso por Vince McMahon e pela indústria em geral, mas a responsabilidade não deixa de ser sua. Sem sabermos qual das vias escolhe cada um, está difícil ter-se heróis no Wrestling. Por muito que tentemos, não podemos saber quem é merecedor da nossa fé. E em alguns casos tentamos adivinhar, e erramos completamente, e repetidamente. E esse foi o caso de Kurt Angle, sobre o qual me debruçarei na próxima semana.
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