Contra-corrente: "Spoiling the spoilers"
O Wrestling é um desporto, mas é também uma forma de entretenimento, com determinadas características que o tornam único. Uma dessas características é a militância e o fervor com que os fãs sentem o espectáculo. Um fã de Wrestling não se limita a sentar-se e assistir. Ele precisa de tomar alguma parte activa. Em crianças, simulam-se combates com os amigos, e brinca-se com as figuras que as federações, de forma muito inteligente, comercializam. Na idade adulta, existe a Internet. E não é à toa que a explosão do Wrestling ocorreu em paralelo ao advento da Internet.
A velocidade vertiginosa da informação pelas vias da Internet não deixa muito espaço para respirar a ninguém: nem às fontes dessa informação, nem a nós, seus consumidores. Num Mundo onde as fronteiras entre o público e o privado se diluem, é cada vez mais entendido que a informação total, que a verdade sem reservas, é um direito inalienável. Tal acontece em todos os domínios da Vida, e o entretenimento não é excepção. No entretenimento que é o Wrestling a tal militância activa dos espectadores conduz a que estes se agrupem em blogs, ou, no caso dos EUA, em sítios de acesso restrito, com lugar a notícias provenientes do seio das federações que são postas a circular e se expandem. Qualquer história planeada para uma telenovela tem apenas alguma probabilidade de surgir nas revistas antes de tempo, mas no Wrestling é quase certo que estará em todas as páginas da especialidade quando ainda nem passa de uma ideia. É o envolvimento, a identificação de quem escreve essas páginas que fazem com que queiram reportar algo entusiasmante, partilhá-lo com quem partilha a sua paixão. E existe também a competição entre sítios de informação, que leva os seus responsáveis a querem tornarem-se de certa forma também “Superstars” do Mundo do Wrestling por fornecerem em primeira mão informações que mais ninguém tem.
Assim, é difícil para uma grande organização como a WWE manter alguma história ou algum plano secreto por muito tempo. Tal facto retira o factor surpresa aos acontecimentos de um programa, sobretudo sendo ao vivo, como o caso do Raw. Nos tempos da malograda WCW, a capacidade de surpreender o público decidia quem ganhava nas audiências dessa noite, e esse tipo de pensamento ainda está bem arraigado nas mentes dos escritores da companhia. Isto apesar de, para os fãs, neste momento, ser mais importante ver uma história que adivinham a ser bem executada no ecrã, como por exemplo o regresso dos D-X, do que terem uma surpresa desagradável, como por exemplo o anúncio de Hornswoggle como filho ilegítimo de Vince McMahon.
Hornswoggle é um resquício da já esquecida divisão “júnior” da WWE. Foi introduzido como personagem cómica, e acabou por ser um bom complemento à personalidade irlandesa de Durão de Dave Finlay. Acabou por se tornar campeão Cruiserwheight, para desgosto dos puristas da categoria de peso, e foi agora anunciado como o filho bastardo do patrão da WWE. Se a atribuição do título parece errada, mas não incompreensível, dadas as circunstâncias em que aconteceu, a verdade é que o culminar da história com Vince McMahon na passada segunda-feira foi considerado prova da decadência da companhia, por entre muitos outros escândalos. Mas será que podemos mesmo culpar a WWE por tudo?
A resposta é mais que claramente não, por duas razões, uma mais importante que outra. Em primeiro lugar, durante meses, ninguém se coibiu de gritar aos sete ventos que o anunciado filho ilegítimo de Vince seria Mr. Kennedy. Esta seria uma forma de o elevar ao estatuto de Main Eventer, e provavelmente envolvê-lo de alguma maneira numa feud com HHH e toda a família McMahon. O problema é que esta intenção estava tão claramente documentada, que não surpreenderia ninguém. Só que para a WWE, surpresa implica audiências. e de facto a audiência neste Raw foi elevada, fruto do anúncio na semana anterior que Kennedy não seria o filho ilegítimo. Assim, ninguém pode contestar a sua estratégia. E, para além disso, quem é capaz de garantir que Hornswoggle é o final da história? Quem nos diz que Hornswoggle não é apenas uma distracção intermédia, para ganhar tempo até ao anúncio do verdadeiro filho bastardo? E isso leva-me ao segundo ponto, que é bem mais importante.

Foram anunciados publicamente, há mais de uma semana, dez vedetas da WWE, que alegadamente são clientes de uma farmácia na Internet, onde adquiriram esteróides anabolizantes. Mike Bucci, mais conhecido por Simon Dean, foi despedido, e outros nove foram suspensos, como por exemplo William Regal, Chavo Guerrero, e... Mr. Kennedy. Kennedy anunciou publicamente com toda a seriedade que a política de despistagem de drogas da WWE tinha-o feito parar com o seu consumo. Sabes-se agora que mentiu. Kennedy é primeiramente vítima de si mesmo. Ao participar neste escândalo, deixou um vazio no lugar que lhe tinha sido feio à medida: Kennedy era o tal “Main Eventer” preparado para acontecer, tinha o nome do meio de Vince como seu apelido, e era de Green Bay, onde o Raw do grande anúncio decorreria. Mais nenhuma vedeta da WWE poderia preencher este lugar, e é aí que entra o ridículo: Hornswoggle. Pensando assim, até foi uma boa solução, pois introduziu um climax cómico numa história que, por culpa do seu protagonista, poderia ter ficado irremediavelmente estragada. A meio do caminho, a WWE fez aquilo que se faz numa boa anedota: de uma preparação séria, saiu um resultado final absurdo.
Resumindo, a WWE tem os seus defeitos. Este caso está intimamente ligado ao problema das drogas no Wrestling, que discutirei na próxima semana. Mas o facto é que naquilo que decorre no seio da empresa, a responsabilidade tem de ser, no mínimo, partilhada. Partilhada pela própria WWE, partilhada pelos lutadores, partilhada pelos “jornalistas” da especialidade, e partilhada por nós, os fãs, porque em última análise a WWE dá-nos o que nós queremos ver. E falando a verdade, a apresentação de Hornswoggle como filho de Vince não foi engraçada?





1 Comentários:
Boa crónica. Li sem parar.
Não há muito a acrescentar. Acho que tocaste no essencial: é uma pena ver Ken Kennedy uma oportunidade desta maneira. Poderia elevá-lo a um nível mais alto na empresa, tinha o nome do meio do vince ... dava tudo certo ... mas infelizmente ele foi o seu próprio inimigo.
No entanto, como referiste (e muito bem) a integração do Hornswoggle na história pode ter sido só uma espécie de 'distracção' e consequente íman de audiências alimentado pelo "quem será?". Espero que seja só isso. Não é que a apresentação do anão como filho do patrão não tenha sido engraçada, aliás, esta história toda parece, como tu dizes, uma anedota das boas: "de uma preparação séria, saiu um resultado final absurdo.".
Espero que haja mais para a semana ;)
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