Blog Pro Wrestling Portugal: APW Impacto Total - Reflexões e Irreflexões: a TNA



APW Impacto Total - Reflexões e Irreflexões: a TNA

Há uma cena do filme "Ed Wood" de Tim Burton que preencheu o meu imaginário sobre como seria assistir a um evento de Wrestling ao vivo. O glamour do preto e branco mistura-se com algum fumo, e a imagem é acompanhada de um coro desconexo de vozes vibrantes que respondem a cada mínimo acontecimento no ringue. Por entre esse caos, concentramo-nos numa voz, de Ed Wood, que no entremeio de outra conversa diz de Tor Johnson (papel desempenhado por George "The Animal" Steele): "my god, look at that guy".

Existe algo que a televisão não capta, nem pode captar nunca. É a atmosfera, a experiência partilhada, o sentimento de companheirismo com desconhecidos que é aquilo que de melhor qualquer fenómeno desportivo, artístico, qualquer evento de massas tem. Ontem, o público era em menor número que no evento da WWE, mas não tinha menor intensidade. A atmosfera de culto quase se inalava como no filme do Burton. E quem ocupava o ringue também nos fazia pensar "my god, look at that guy". Não pelo físico, como Tor, mas pela agilidade, pelo atleticismo, pela paixão e pelo espectáculo em si.

A TNA não tem personagens, isso é certo e sabido. A TNA tem atletas. Esse é simultaneamente o seu ponto forte e o seu ponto fraco. Mesmo Kurt Angle desde que chegou apagou bastante aquele carismo que o tornaram no Angle da WWE, que fazia com que o público gritasse em uníssono "you suck" na sua entrada. Angle encarna hoje verdadeiramente a gimmick de atleta legítimo. E isso resulta?

Na televisão, parece-me que não. Para seguirmos religiosamente um programa de televisão, como se de uma novela se tratasse, ele tem de ser cativante, coerente, e (muito importante) ter um qualquer "factor x". Cativante e coerente, porque se não estiver bem escrito e não fizer sentido, dificilmente terá público. Mas ainda assim é preciso ter mais alguma coisa. É preciso apelar a algo mais fundo em nós, procurar aquilo que suscita alguma reacção, e oferecer-nos isso. Sem querer "futebolizar" demasiado o texto, e ontem tudo foi muito "futebolizado", algo que não abona muito a nosso favor enquanto povo (será que queremos mesmo ser só reconhecidos por algo como futebol?), a verdade é que um jogo é muito mais chamativo entre dois clubes rivais. Esse é o nosso institnto mais primitivo a vir ao de cima - gostamos sempre de uma boa rixa, do bem contra o mal, de um jogo de forças com uma história por trás. E nisso a transição de Angle, como muito na TNA, tem passado um pouco ao lado do centro do alvo. Angle é a face perfeita de todo um roster primoroso tecnicamente, mas sem grande chama, sem despertar grandes reacções nas pessoas senão quando se projectam para fora do ringue ou atiram do topo de uma jaula.

Mas e ao vivo? Ao vivo tudo muda. Se algo falhou no show do Smackdown! é que os combates não seguiram rivalidades, não nos transportaram até ao universo de fantasia em que mergulhamos quando sintonizamos na programação da WWE. Eram apenas tipos dispostos mais ou menos aleatoriamente uns contra os outros. E o roster da WWE não dá um espectáculo tão bom dessa maneira. Na WWE, o que importa é a parte teatral do espectáculo. Na TNA, quaisquer dois wrestlers conseguem fazer o público vibrar, porque dependem da sua técnica e agilidade no ringue. Como o nome indica, a TNA vale pela acção.

E isto faz toda a diferença. Ao vivo em house shows queremos lá saber de rivalidades. O que queremos é um bom espectáculo. Por isso, saí ontem do Campo Pequeno convicto que tinha assistido a algo especial. Claro que o Smackdown! foi importante, porque foi a primeira vez que assisti a Wrestling ao vivo, e porque estavam 10 mil pessoas a viver o mesmo que eu. Mas ontem consegui algo que no Smackdown! não me tinha sido possível: largar a capa de blogger que tudo lê e tudo sabe, e por momentos levantar-me ou sentar-me para trás e dizer "uau" quando vejo AJ Styles a rodar no ar após um Gore!, Samoa Joe a desistir com Kurt Angle, ou um Black Hole Slam de fazer tremer as fundações do edifício de Abyss a Christian.

Portanto esta aura de legitimidade da TNA resulta? Para quem conhece, segue, e vê ao vivo, acho que sim. Fiquei surpreendido por não ter ouvido cânticos de TNA, mas talvez isso se deva à excessiva colagem da figura de Kurt Angle ao evento, responsabilidade da organização. Houve várias cânticos desde o início de "we want Angle" que me irritaram muito (entre outros...), porque foram uma falta de respeito para quem estava no ringue, e porque surgiram de grupinhos que se formam sempre nestas coisas para se comportarem de forma deplorável. Eles ajudam ao espectáculo, mas não deixam de ser a sua componente mais triste.

Mas e para quem não conhece a TNA, esta maneira de ser resulta? Continuo tentado a dizer que não. As storylines têm de ser melhoradas, e os wrestlers têm de encontrar uma personagem que se adapte a si e com a qual possam chegar ao grande público, àqueles que apenas ocasionalmente vêm Wrestling. Mesmo os espectáculos ao vivo têm de ser melhorados em alguns pontos. O sistema de som estava óptimo, mas o técnico algo desleixado. Samoa Joe não parecia muito contente por estar cá. Mal perdeu, levantou-se e abandonou o ringue sem "vender" minimamente a lesão. Mesmo Angle, que teve um combate muito curto (como se esperava), não interagiu praticamente com o público, e após a campaínha soar saiu de imediato. Quem foi ao espectáculo apenas ver o rosto que aparecia nos cartazes deve ter-se sentido desiludido.

Mas quem viu o espectáculo como um todo não ficou desiludido de certeza. O que mais me agradou foi o número de crianças na assistência. Eu mesmo já fui um deles, portanto sei bem o que leva uma criança a gostar dos espectáculos de Wrestling. Poderia até ser mais duro, poderia até criticar mais tantas coisas que correram mal (e que os tais grupinhos idiotas não se coibiram de brindar com um "you fucked up"), mas por vezes, em vez de agirmos como machos com overdose de testosterona (também poderia falar aqui do combate de knockouts...), é bom vermos estas coisas pelos olhos de uma criança. Parabéns, TNA. Estão no bom caminho.
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2 Comentários:

Em domingo, 07 janeiro, 2007, Blogger Alexandre Bettencourt disse...

Gostei de ambas as reviews, relativamente ao APW Impacto Total, se bem que esta me chamou mais a atenção (apesar de concordar plenamente que, se o wrestling português tem de ir para um lado, é apoiado em emblemas da sua própria cultura como o tal "Tóni" - se há coisa que não falta na nossa cultura é "cor" e personagens, talvez até mais do que os americanos, que têm de recorrer a gimmicks. Essa vertente bem explorada, e o wrestling português poderá ganhar o que precisa para se destacar: identidade).

Por acaso tive pena de não ver nenhum dos shows Impacto Total, mas pelo que contas, os house-shows da WWE não tiveram seguimento das histórias e penso que estás completamente errado: Benoit/Chavo, Batista/Finlay, Kane/MVP... (Já diz o Tazz "estás a ver o mesmo show que eu?" hehe ;) )

Tendo em conta a tua opinião, e apenas a mesma (eu não sei, eu não estive nos espectáculos Impacto Total), agora que ambas as companhias estiveram em território nacional, é de denotar o contraste entre uma e outra, e a razão pela qual (penso eu) que a WWE tem mais sucesso: personagens. As pessoas querem ver personagens, sentir-se identificadas com eles... A um ponto em que o próprio wrestling passa para segundo plano. Mas no fundo, acaba por não fazer mal, porque as pessoas depois vão querer mais, e dado que por causa dessa procura (que se traduz em $) a companhia pode oferecer mais, o público terá o que quer.

Outro exemplo que eu quero dar, é o de Kurt Angle ter saído imediatamente após o final do combate; estamos a falar daquele é supostamente o maior nome que a TNA tem. Em contraste com Batista, o segundo maior nome da WWE (seguido ao John Cena), que esteve um bom bocado a despedir-se dos fãs e a fazer valer a todos os espectadores o dinheiro gasto.

Claro que gostos, serão sempre gostos. Eu prefiro WWE. Mas é por "pequenos" exemplos destes que se percebe o porquê de cada companhia ocupar o lugar que ocupa, e o porquê do nível de sucesso de cada uma. O atletismo como numa K1 é muito bonito, mas nada faz valer mais o nosso dinheiro do que a boa história de um filme, com bons personagens... e que de repente estão ali ao vivo e a cores. São dois mundos inteiramente diferentes.

Bom trabalho! Abraço!

 
Em domingo, 07 janeiro, 2007, Blogger Ricardo disse...

Alex, obrigado pelo teu comentário. Relativamente à questão do seguimento das feuds no show da WWE, provavelmente estivemos no Atlêntico em dias diferentes, portanto de facto literalmente não vi o mesmo show que tu... :) Mas falando a sério, tens razão, houve de facto algum seguimento, obrigado pelo reparo.

Quanto ao resto, tudo o que dizes vai no sentido daquilo que escrevi, portanto concordo plenamente contigo. Posso apenas adicionar algo que não ficou, penso eu, claro no meu texto. Creio que a razão porque essas tais "personagens" são o "factor x" é que elas captam espectadores ocasionais. Os harcores do Wrestling provavelmente veriam mesmo sem ela (tanto que nós vemos a TNA), mas aqueles que apenas vêm de vez em quando e se a televisão está ligada precisam desse factor de interesse. Essa é a vantagem da WWE nas audiências, porque a WWE tem um nome, uma tradição, que lhe permitem chegar a mais casas. Não é à toa que "enterteinment" está lá...

 

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