Blog Pro Wrestling Portugal: Contra-Corrente: Que falem os factos



Contra-Corrente: Que falem os factos

Lia hoje uma entrevista de Homicide, vedeta da TNA e ex-deus no ROH, a indy que todos os smarts lusos simultaneamente adoram e odeiam. Nessa entrevista, Homicide ataca a IWC (Internet Wrestling Community, para quem não saiba) americana, dizendo que não passam de um grupo que, sentados atrás dos seus computadores, acreditam ser melhores que os wrestlers e bookers no activo. Homicide sabe do que fala, uma vez que ele mesmo já foi visto como uma grande esperança, e glorificado na ROH, para no momento em que assinou pela TNA se tornar em apenas mais um. Aparentemente, para os fãs da net, não é a falta de treino que faz alguém perder capacidades. São os movimentos de pulso com uma caneta.




Mas há alguém que sofre mais com os fãs da net do que Homicide. Esse alguém é o incomparável, o ímpar John Cena. Há um impulso natural da espécie humana em adorar os pequeninos e criar ídolos, apenas para que quando as mesmas pessoas, com as mesmas capacidades, se tornam demasiado grandes, as possam deitar abaixo do pedestal onde haviam sido colocadas. Mas isso não explica tudo no fenómeno Cena. Isto porque, enquanto ganhava combate atrás de combate, John Cena era uma fenómeno de popularidade e vendas com quem menos tempo gasta em fóruns de Wrestling, ou seja, as mulheres e as crianças. São também esses quem vê o espectáculo de Wrestling de forma mais pura, sem atavios intelectualizados. E, ao mesmo tempo, Cena provava ter capacidades no ringue: o combate de 60 minutos contra Shawn Michaels, os duelos com Edge, a feud intensa com Randy Orton. Mesmo não sendo o mais tecnicista, Cena também não era tão mau entre as cordas como outros que em outros tempos foram tão famosos como ele (Bill Goldberg, Kevin Nash, etc.). Porém, Cena tornou-se um caso sério de ódio pela IWC. Muita gente perdeu muita energia a criticar Cena, mais até do que a ver os seus combates. Não sendo a sua (pouca técnica) a principal razão, nem sequer o seu carisma, o que teria Cena assim de tão mau?



O discurso que durante muito tempo vingou na IWC era que Cena estava a levar a WWE ao fundo, que o seu produto se tornava aborrecido, sem graça, que era preciso que Cena largase o seu estatuto de uma vez por todas. Confesso que sempre desconfiei desta argumentação. Mas, pessoalmente, prefiro deixar que os factos falem antes de analisar algo. Agora que Cena voltou e não é campeão, está na hora de fazer algum balanço e ver se de facto Cena era um factor destrutivo da WWE.



Antes de mais, devo esclarecer que os meus critérios são só dois: ratings televisivos ou vendas de pay-per-views (PPV). Já estou a imaginar a resposta estereotipada: "mas não é só isso que conta, porque um show pode ter muitos espectadores e fraca qualidade". Penso que apesar de isso ser verdade em programas e desportos que estão a construir um público, como uma nova série de televisão, no caso do Wrestling a audiência já se encontra definida. A qualidade de um dado programa é o factor que vai determinar quem, dentro da audiência fixa e da audiência ocasional, vê o programa seguinte. E é por isso que as audiências me parecem um bom indicador de qualidade neste caso específico.



Então, usando como referência as estatísticas do Wrestling Information Archive, procurei como têm variado as audiências do Raw desde que o programa surgiu. O gráfico abaixo mostra essa informação. Verifica-se que, desde 1995, houve um aumento pronunciado durante as "Monday Night Wars", e uma queda após 2001, altura em que a ECW e WCW foram compradas pela WWE. A partir daí, as audiências têm oscilado ligeiramente entre os 3 e os 4 pontos. Por isso, para uma análise mais cuidada, há que prestar atenção a esta parte da curva.






John Cena mudou-se do Raw para o Smackdown em 2005, mais precisamente no dia 6 de Junho. Desde essa altura até 1 de Outubro de 2007, Cena foi quase sempre campeão, tendo existido apenas pequenos intervalos em que o campeão foi Edge ou Rob Van Dam. Nesse dia do ano passado, Cena teve um combate com Mr. Kennedy no qual se haveria de lesionar. Apesar de ter sido apenas um acidente na queda durante um arm drag que correu mal, houve IWC quem dissesse que Cena não foi "nem capaz de executar uma manobra básica". O que é o mesmo que dizer que quando alguém é atropelado não é nem capaz de fazer uma manobra básica como atravessar a rua.


Então, pegando nas audiências entre esses dois dias, que distam mais de dois anos, obtém-se o gráfico indicado abaixo. Mostro não só as audiência, como também uma média móvel das audiências (basicamente para suavizar a curva e atenuar flutuações esporádicas), e uma recta, da qual se retira a tendência.



Verifica-se que as audiências, enquanto Cena foi campeão, diminuiram em média cerca de 0,25 pontos. Ainda assim, trata-se de uma diminuição, e por isso poderia ser tentado a dizer que de facto Cena piorou o estado da WWE. Mais ainda quando, no gráfico seguinte, se verifica que, desde que Cena se lesionou até ao presente, as audiências estabilizaram, tendo deixado de diminuir.





No entanto, é preciso reparar em algo mais importante. As audiências com Cena campeão desceram de 4.00 até cerca de 3,75. E a partir do momento em que Cena se lesiona, elas descem e estabilizam abaixo dos 3,5. Parte da audiência claramente desinteressou-se pelo Raw sem Cena. Aliás, as audiências apenas sobem ligeiramente neste último período após o regresso e vitória de Cena no Rumble.



Inserindo mais um indicador, repare-se nas vendas do principal e mais antigo PPV da WWE, o Wrestlemania. Quando este se iniciou, em 1987, registaram-se imensas vendas, mas a partir daí a tendência de diminuição não mais parou até 1998, devido ao envolvimento de Mike Tyson no combate entre Shawn Michaels e Steve Austin. A partir daí, as vendas mantiveram-se até 2001, altura em que diminuiram ligeiramente, e só recuperaram quando... John Cena ganho o seu primeiro título. Foram depois aumentando ligeiramente, sempre com Cena no main event.


Já o disse antes, e repito. Não sou um fã de John Cena. Mas a obstinação da IWC em odiar Cena é deveras irritante, porque é estúpida (no sentido literal, demonstra pouca inteligência). Cena não é melhor nem pior que tantos outros que já foram campeões e glorificados quando em outras situações. Homicide é um deles. E o que me parece mais irritante ainda é a tendência que argumentar, quando se acabam todos os outros argumentos, que "isto são gostos, e gostos não se discutem". Se gosotos são só gostos, e não há alguns mais informados que outros, então de nada serve falarmos sequer uns com os outros. Todas as nossas conversas são conversas de surdos. Melhor que ideologias é deixar que os factos falem. E os factos não dizem se Cena é bom lutador ou não, mas pelo menos dizem que Vince e seus pares fazem bem por mantê-lo com o estatuto que tem dentro da empresa.


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1 Comentários:

Em domingo, 01 junho, 2008, Blogger Ricardo "Jay Lethal" Loja disse...

Ena, este blog voltou a ter vida. bora comentar.

Para começar, acho bastante dúbio que o Homicide tenha passado de "Deus da ROH" a "mais um" quando assinou pela TNA.

Para começar, é preciso contextualizar a apreço que os fãs da ROH têm pelo Homicide. Está na companhia desde o show nº1, sangrou por ela, e teve lá os seus melhores combates (os vs Samoa Joe em 2004, os vs Danielson, os combates loucos contra o Corino e os Street Fights com o Colt Cabana).

O endeusamento propriamente dito aconteceu em 2006, numa das grandes storylines da companhia que se baseava exactamente no facto do Homicide ter dado o seu corpo pela companhia sem nunca ter sido devidamente recompensado (o exemplo era a forma como foi prejudicado pelo árbitro na title shot com o Danielson) e por isso não querer fazer parte da ROH na guerra com a CZW.

A ROH não consegue ganhar a guerra sem o Homicide, Homicide acaba por se juntar à team ROH para lhes conduzir à vitória... mas sob algums condições, uma delas era o regresso de Low Ki. Cornette recusou, e decide fazer a vida negra a Homicide, que perante mais uma traição decide sair da ROH caso não ganhe nenhum título até ao fim do ano.

Os mais atentos à história saberão que acabou por vencer o principal título da companhia ao derrotar Bryan Danielson no último show do ano, o que evidentemente, levou o público ao rubro, e elevou o Homicide a uma posição que nunca havia tido antes.

Isto para mostrar que, o endeusamento referido foi inteligentemente bookado e surge numa altura muito especifica da carreira do Homicide.

O Whitmer também era adorado quando estava em feud com o Jacobs e a CZW, mas depois disso as performances não foram tão bem conseguidas, e acabou mesmo recentemente por perder o seu lugar na companhia.

De todo o modo, o feedback que tenho no forum da ROH é de que as pessoas o gostavam de ter de volta, tal como o Joe ou o Jimmy Rave, simplesmente, apareceram outros wrestlers que os substituiram e as próprias exibições do Cide na TNA não me parece que estejam perto das suas melhores noites na ROH.

Seja como for, se o Homicide entende-se todos os fãs da ROH como fazendo parte desse grupo da IWC que ele critica, não apareceria bebedo para assistir a shows com os fãs e ir depois festejar com eles a algum lado.

Depois de me alongar, talvez em demasia neste ponto, passo a comentar a temática do artigo em si.

"Há um impulso natural da espécie humana em adorar os pequeninos e criar ídolos"

lembra-me sempre de como há pessoas que idolatraram a selecção de rugby e ficaram muito emocionado com os portugueses que foram ao campeonato da especialidade perder todos os jogos, mas que se insurgem contra 'vedetas', jogadores profissionais de futebol, que trabalharam exaustivamente para atingir os niveis que exibem, por uma exibição menos conseguida, pretensamente arrogante ou coisa do género.

Que o Cena é um wrestler capaz penso que não haja tanta gente a pôr em causa, pelo menos não nesta altura. Já não faz sentido, e as próprias correntes de opinião que passam nos foruns que visito apontam noutro sentido.

O ódio ao Cena deriva do seu reinado como campeão mundial, que foi no primeiro ano mal bookado, nomeadamente a sua feud com o Angle sem qualquer conteúdo, desenvolvimento, ou combates de qualidade (A feud com o JBL também não foi particularmente conseguida, mas sempre teve mais sentido e terminou com um bom I Quit Match).

Agora, sempre que o Cena teve qualquer coisa com que trabalhar, fê-lo exemplarmenter. A começar com a feud que começou a mudar opiniões, com o Triple H, e onde se conseguiu jogar com toda a coisa do "o Cena não sabe wrestling técnico", e com isso fazer um Main Event de Wrestlemania memorável. A partir daí, o Cena tem sido o MVP da WWE, de longe.

Não é que eu considere que tenham sido tempos fantásticos com o Cena no Main Event, mas mais do culta do Cena, considero a origem do problema no booking excessivamente conservador, que não conseguiu rejuvenescer o Main Event.

Não é que o HHH, o Michaels ou o Undertaker sejam maus wrestlers, mas ao tempo que estão no negócio, não conseguiram fazer o evoluir, ou pelo menos, modificar significativamente a sua performance in ring, e nenhum dos 3 consegue nesta altura (pelo menos para mim) suficientemente apelativo.

Tentou-se fazer aparecer outros nomes, mas nunca se conseguiu criar uma nova estrela. O Batista conseguiu a sua subida à custa do Triple H, mas não se aguentou por aí além. O que o Edge consegue em personalidade, falha no ringue. O Carlito é horrivel. O Masters podia evoluir para se tornar um main eventer, mas aconteceu o que aconteceu.

Ficamos com Orton, Kennedy e Punk para poder mudar um pouco a face do programa da WWE. Na altura do rise do Cena nenhum estava em condições para subir ao mesmo nível, nesta altura, só o Kennedy tem potencial para o fazer de forma que mexa verdadeiramente com o programa.

Ah! Mas havia uma solução esquecida! William Regal, um portento no ringue e um gajo genial em termos de microfone, expressões faciais e afins, mas que por algum motivo estranho nunca se tinha conseguido impôr.

Pois, mas mais uma vez, a WWE é vitima do próprio negócio que ajudou a criar, e que pressiona os seus trabalhadores a enverdar por certo tipo de substâncias (e não estou a falar só de pressão em termos de body building, tem a ver também com schedule apertados em numero de shows em várias localidades, a pressão de ter de conseguir singrar ou correr o risco de ser despedido, de ter que colocar o corpo em jogo, e toda uma série de circunstâncias que ajuda a que o wrestling esteja directamente ligado com o consumo de drogas).

Não é fácil ser-se booker da WWE. E em situações dificeis joga-se com quem se confia, mesmo que não se consiga fazer os melhores shows das ultimas décadas, pode-se sempre manter um certo nível e evitar que o negócio caia em queda livre, e foi isso que se conseguiu com o Cena, como demonstra a tua análise por demais conseguida sobre os ratings.

Quanto à tua consideração, gostaria só de salvaguardar o seguinte:

Não se trata de discutir gostos. Eu até podia odiar todo o tipo de wreslting e conseguir compreender que o Cena tem mérito e qualidade no que se lhe é proposto a fazer.

Mas ter qualidade no que se lhe é proposto fazer é algo objectivo, a parte subjectiva está na actuação em si.

Apesar de considerar o papel do Cena importante na WWE, não deixo de achar que o tipo de shows oferecidos fracos e não me estimulam particularmente (aliás, como poderás notar, os exemplos que dei para suportar as minhas ideias não são particularmente recentes).

É a diferença da discussão de gostos, que não pode ser feita a partir de ratings com argumentos do tipo "tens de gostar disto porque tem mais ratings" mas antes com a discussão dos eventos em si, enquanto formas de expressão artisticas que são.

 

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