Blog Pro Wrestling Portugal: Da Boca do Lobo: Desporto Gay



Da Boca do Lobo: Desporto Gay

Quase desde a criação do canal SIC Radical, o fórum oficial desse canal foi preenchido por inúmeras threads com o propósito de pedir aos responsáveis do canal que incluissem wrestling na sua programação. Nas palavras das pessoas que assim faziam, o teor dos programas da WWE, nomeadamente a Raw e a Smackdown, adaptava-se na perfeição aos moldes formados pela SIC na criação do canal 9 da TV Cabo. Multiplicavam-se as pressões no fórum (mesmo sabendo-se que era raro alguém em cargos de responsabilidade ler o seu conteúdo), e chegava-se mesmo a pedir a vinda do wrestling em telefonemas ao programa Curto Circuito, aquele que se aprestava mais a intervenções improvisadas do público. O resto é história: temos neste momento o panorama melhor de sempre relativo à exibição do espectáculo do pro-wrestling em Portugal, assistindo à programação semanal da WWE e da TNA, e inclusivé estando prestes a ter o privilégio de assistir aos PPV's sem qualquer tipo de encargos extra.

Mas nas intervenções que precederam a introdução da programação da WWE, o wrestling não teve apenas apoiantes: teve também uma série de detractores acérrimos. Estes maldizentes não se cansavam de intervir em tópicos sobre wrestling para menosprezar este espectáculo das formas mais baixas e desprezíveis que se possam imaginar, e apesar de ser possível ver, pelo teor das mensagens, que não eram pessoas particularmente inteligentes, tinham o condão de provocar a irritação generalizada e de tirar do sério até o mais paciente dos apoiantes daquele que já foi chamado o "desporto dos reis" (título que disputa com o boxe, pólo e hipismo). E como conseguiam eles fazer isso? Simplesmente alegando que o "desporto dos reis" era, na verdade, o "desporto dos gays".

Na opinião dessas pessoas, a principal motivação que leva um homem a assistir a wrestling não é o suspense acerca do desfecho dos combates e storylines, a simpatia pelos personagens, a espectacularidade das proezas atléticas realizadas, nem sequer a admiração pelos aspectos técnicos e psicológicos demonstrados dentro do ringue. Não senhor: para eles, o principal motivo é a excitação sexual de ver dois homens musculados e oleados, em tangas de latex, a enrolarem-se um no outro em pleno ringue, em frente ao público. Para eles, não só isso demonstra que os wrestlers são todos gays, como também que todas os homens que apreciam wrestling são gays. Normalmente, não é especificado o que é que isso implica para as pessoas do sexo feminino que assistem ao espectáculo, mas não creio que isso signifique que estes detractores prefeririam que a programação da WWE passasse na SIC Mulher.

Torna-se óbvio que estas pessoas não passam daquilo a que se chama, na gíria da Internet, de "trolls" - se bem que seja mais difícil descortinar o que os leva a menosprezar o espectáculo do wrestling ao nível de o insultar apenas para suscitar a ira dos seus apoiantes. Presume-se que seja algo que dê algum gozo e sensação de poder nos seus cérebros mesquinhos, prazer que não conseguem obter de outra forma, com possíveis conotações freudianas que não me cabe explorar aqui. Cabe-me, sim, explorar outra hipótese bem mais provocante: e se estas pessoas tiverem, de facto, e pelo menos em parte, razão?

Não creio que nenhum dos leitores deste artigo seja ingénuo ao ponto de pensar que todos os trabalhadores masculinos que vemos regularmente nos ringues sejam machos puros, paradigmas de heterossexualidade. Ignorando visões retrógradas da sexualidade humana que estão implantadas profundamente na nossa sociedade, é possível vislumbrar por senso comum o consenso ao qual a ciência que explora a mente humana chegou há algum tempo: em termos de sexualidade, não existe pureza, nem absolutos. Numa linha que separa a heterossexualidade pura da homossexualidade pura, é praticamente impossível estar-se num dos extremos: todas as pessoas, apesar de normalmente tenderem para um dos lados, têm uma vertente bissexual que pode ser despoletada dadas certas condições. Nenhum de nós é excepção, e os wrestlers certamente não o são.

É muito comum ouvir-se histórias sobre a marinha, e sobre certas atitudes que os homens que nela alistam tomam durante as suas longas viagens (e as quais muitos preferem não mencionar depois de saírem de serviço), e que valeram aos marinheiros em geral uma certa reputação. Mais curioso é constatar acerca dos paralelos que existem entre o serviço militar na marinha e o emprego ao serviço de uma promoção de wrestling como a WWE: ambas são funções que implicam longos períodos de viagem longe da família em isolamento do resto do mundo (o kayfabe e o estrelato assim o exigem), e em convivência com colegas predominantemente do sexo masculino num balneário inevitavelmente partilhado, em trajes menos que menores, com espécimes físicos excepcionais.

Dadas estas condições, não é de admirar que estes atletas descubram formas de descarregar a pressão sexual que nunca antes tinham acreditado plausíveis - mesmo aqueles que teriam previamente jurado a pés juntos sobre a sua heterossexualidade pura. Randy Savage, apesar de nunca ter admitido estas práticas (não fosse ele o "Macho Man"), revelou que elas não eram pouco frequentes na WWF nos anos 90, sendo por isso de cogitar que seja um fenómeno muito mais frequente do que as histórias que nos chegam aos ouvidos deixam a entender. Menor ainda que o número de trabalhadores da indústria que admitiram a existência deste tipo de comportamento, é o número de wrestlers que admitiu ser gay. Entre este bando que se conta pelos dedos de uma mão, a única figura que se destaca é a de Pat Patterson, retirado dos combates há algum tempo, e actualmente ao serviço da WWE como road agent.

Não é de admirar que este número seja tão reduzido. Afinal de contas, é do conhecimento geral no seio da indústria de que uma admissão de homossexualidade é praticamente equivalente a suicídio de carreira. Em particular na WWE, Vince McMahon nunca fez nada para alterar esta situação, autopromovendo-se como um ultra-macho com tomates do tamanho de melões, e reduzindo o papel da homossexualidade a uns quantos gimmicks concebidos para serem alvo do ridículo generalizado - tais como sejam os exemplos de Goldust, a dupla Billy & Chuck, e Rico Constantino. Em todos estes casos, wrestlers supostamente heterossexuais tiveram que se sujeitar à humilhação de desempenharem papéis que correspondiam às piores caricaturas possíveis de homossexualidade, apelando assim à homofobia do público para obterem as respostas emocionais desejadas. Dado isto, não é de admirar que a posição oficial da WWE relativa à homossexualidade dos seus empregados seja mais ou menos equivalente à das forças armadas americanas: "Don't ask, don't tell" (ou seja, "não perguntar, não dizer").

Onde estão então todos aqueles gays que os detractores do wrestling estupidamente denunciam? Que existem, existem, mas é possível que nunca saibamos quem são. Não existe uma estatística fiável para a percentagem de homossexuais na população geral, mas todas as estimativas existentes permitem deduzir que existem, com toda a probabilidade, alguns wrestlers com tendências predominantemente homossexuais na WWE, e muitos na indústria do pro-wrestling - talvez até mesmo "tirando partido" daquilo que as pressões do trabalho obrigam os wrestlers predominantemente heterossexuais a fazer. Contemplando o panorama, até é possível que a percentagem de gays seja superior na WWE do que na população em geral... afinal de contas, e bem vistas as coisas, são homens musculados e oleados, em tangas de latex, a enrolarem-se um no outro em pleno ringue, em frente ao público.
| Próximo Post »
| Próximo Post »
| Próximo Post »
| Próximo Post »
| Próximo Post »
| Próximo Post »
| Próximo Post »
| Próximo Post »
| Próximo Post »

0 Comentários:

Enviar um comentário